25 de dez. de 2014

DIAS 52 A 58 - NATAL em PISAC - PERU (terceira semana)

   O Peru não tem o que se pode chamar de um Natal tradicional. As casas e comércio são menos enfeitados do que no Brasil e muito menos que na Europa. Não há o costume de grande consumismo nesta época naquela região, até porque as pessoas não tem dinheiro para comprarem presentes para a família inteira e pro amigo secreto, onde tirou justo aquele cunhado chato. Vou explicar exatamente como o Natal é comemorado no Peru (ao menos naquela região).
   Eu tentei de todas as formas fazer amizade com estrangeiros para que tivéssemos onde celebrar a noite de Natal. Porém a realidade de Pisac é a seguinte: por mais que o misticismo dos Andes atraia os bichos-grilo, eles não são lá tão sociáveis e unidos assim. São quietos, na deles, reclusos e de pouca conversa. São em sua maioria europeus, o que explica muito sobre o porquê deste comportamento. Então não se pode esperar uma atitude acolhedora como temos nós, latino-americanos ou como alguns americanos tem. Conforme o dia de Natal ia chegando eu e a Mel começamos a nos preocupar e pensar num plano B. Não queríamos ficar sozinhos na noite de Natal pois seria deprimente. Tinham algumas festas para estrangeiros sendo divulgadas mas não tínhamos dinheiro para tais.
   Numa de nossas lamentações sobre o assunto, Davi ouviu. Veio até nós e nos convidou passarmos o Natal com a família dele, na própria pousada. A celebração seria no apartamento dele no último andar. Ficou combinado para às 20 horas do dia 24.
   Um ou dois dias antes saí cedo enquanto Mel ainda dormia para comprar um presente para ela. Andei por toda a cidade atrás de algo dentro do meu orçamento de 20 soles. Como ela gosta de tudo que tem a ver com viagem e recordações sobre viagens, comprei um álbum de fotos personalizado do Peru. Pensei que seria o presente perfeito. Como todo ano, ela me perguntou o que eu queria e eu escolhi uma bolsa para notebook também com todo o estilo do Peru.
   No dia de Natal, separamos nossa melhor roupa e compramos um refrigerante para não chegarmos de mãos vazias lá. As oito da noite em ponto subimos e batemos na porta. Fomos recebidos por Davi que nos apresentou para sua esposa Guadalupe e suas duas filhas. Lá também estava sua sogra preparando o jantar. Olhei para a mesa e estava completamente vazia. Estranhei bastante mas imaginei que a comida estava ainda no forno, apesar de não sentir cheiro algum. O apartamento estava enfeitado com piscas e uma grande árvore de Natal. O tempo foi passando e cada vez mais a fome ia aumentando. Quando eram 22:00 Davi saiu para buscar seu pai (ou sogro, não me lembro). Segundo ele, no bar. Voltou meia hora depois, bêbado, com outro senhor ainda mais bêbado que ele. Esse senhor sentou-se do nosso lado e tentou se comunicar de diversas formas. Primeiro, verbalmente mas não entendíamos nada daquele espanhol bêbado. Depois, começou a chamar a Mel pra dançar e por último quis se casar com ela e colocar a mão em sua coxa. Aí eu já estava intervendo para a situação não sair de controle.
   Eram 23:45 e nada de comida. Eu já estava querendo comer meu relógio. Eu vi que ninguém ia trocar presentes então fui descer até nosso quarto para buscar os nossos e darmos um ao outro. Desci as escadas correndo e quando cheguei no nosso quarto abri um pacote de bolachas e devorei em 15 segundos. Peguei os presentes e voltei pra cima. Entreguei o presente da Mel e ela entregou o meu. Ela não admite, mas não gostou do álbum. Tanto é que já se passaram 2 anos e ela não colocou 1 foto lá sequer. Eu adorei o meu presente. Inesperadamente Davi nos deu um presente, dois pratos de madeira com pinturas incas tradicionais. Eles são pregados à parede. Achei estranho ele ter dado dois, pois normalmente são 3, cada um de um tamanho, mas mesmo assim gostamos muito!
   Somente após a meia noite eles disseram "vamos comer". Eu mal podia acreditar. Seja o que fosse a comida eu ia devorar sem dó nem vergonha!
   A ceia iniciou com uma sopa. Bom, acho que não há como chamar aquilo de sopa, era mais um caldo com alguns pedaços de mandioca boiando e pedaços de frango mais branco que a perna da minha falecida avó. Não havia 1 grama de sal no caldo ou no frango. O caldo tinha gosto de água de piscina no fim do dia e o frango tinha gosto de papel reciclado. Notei que no caldo haviam pequenas bolinhas pretas que pareciam minúsculas estrelas-da-morte. Reconheci na hora como sendo a pimenta-do-reino mas nem lembrei de avisar a Mel, que odeia pimenta. A Mel tem dificuldades em disfarças suas feições de desagrado, por isso já não estava com uma cara boa enquanto tomava a "sopa", mas quando ela mordeu uma pimenta ficou tudo pior. Ela fez uma cara de nojo, se contorcia na cadeira e falava alto "que horror" "eca! eca!". Fez um escândalo sem precedentes e por mais que eu tentava amenizar a cena, o estrago já estava feito pois a Mel
 cuspiu a sopa que estava na boca de volta no prato. Eu não sabia onde enfiar minha cara de constrangimento. A mulher de Davi achou aquilo inadmissível e uma falta de respeito imensa (obviamente) e por mais que ela não tenha falado nada suas expressões falaram por ela. Durante todo o jantar não nos foi servido nada para tomar, nem água. Eu num certo momento perguntei pela Coca-Cola e para a minha surpresa eles não haviam colocado para gelar. Estava estupidamente quente! Aquilo desceu no meu estômago como uma escola de samba. Terminada a sopa, eu já estava empolgado para o próximo prato pois certamente seria algo mais sólido e com sabor. Mas... não havia próximo prato. A ceia de Natal era aquilo! E só para esclarecer, não era escasso por pobreza pois o Davi é um homem com bons recursos financeiros. Tem vários carros e casas e comércio no Brasil. Simplesmente era a tradição. A fome ainda era grande e por mais que eu tivesse esperanças não havia nem uma sobremesa. Esperamos um pouco, depois do jantar e demos boa noite. Quando chegamos em nosso quarto devoramos as bolachas que encontramos pela frente. A ceia de Natal foi um fisco.
   Como todos sabem, o almoço do dia de Natal também é bastante importante e enquanto estávamos no apartamento de Davi ele nos convidou para o almoço do dia seguinte. Disse que iríamos todos na casa de sua mãe e ela iria preparar um peixe magnífico. Ficou combinado que estaríamos prontos às 10 e eles iriam nos chamar em nosso quarto.
   Pois no dia seguinte, 25, às quinze para as 10 estávamos ambos prontos para sair e ainda mortos de fome. O tempo foi passando e nada de nos chamarem. 10 horas, 10 e quinze, 10 e meia e nada... Quando deu 11 horas eu subi até o apartamento dele para descobrir o porquê do atraso, já que Davi não estava respondendo meus SMS. Para minha surpresa, não havia ninguém. E não foi um simples esquecimento pois nosso quarto ficava bem ao lado das escadas então quando alguém descia era muito evidente o som. Eles desceram todos nas pontas dos pés em silêncio para não sabermos e nos deixaram lá.
   Quando desci e contei à Mel, ela chorou. Eu disse à ela que talvez tivesse sido melhor assim e saímos para procurar um lugar para almoçarmos. Claro que eu sabia que o que devia ter acontecido é a mulher de Davi dizendo à ele que não queria que fossemos, diante do que aconteceu na mesa. Mas a atitude deles foi desumana e insensível. 
   Andamos por toda Pisac e estava praticamente tudo fechado. Ironicamente o único lugar aberto era o que íamos quase que diariamente, o Ulrike's Cafe. Estávamos ambos com quase nada de dinheiro e pedimos o que deu: um hambúrguer para cada um com batatas-fritas. E não pense que foi um hambúrguer caprichado e generoso. Era um bem simples e pequeno. Comemos, conversamos e saímos para dar uma volta. 
   Apesar de não me considerar religioso, eu gosto muito de visitar igrejas pela beleza e paz que proporcionam. Sugeri à Mel que fossemos visitar a igreja da cidade pois provavelmente haveria alguma missa. Quando chegamos todos já estavam saindo da missa, tocando tambores e com homens fantasiados com roupas exóticas e máscaras de pelo. Dançavam e pulavam e saíram em caravana caminhando pela cidade. Acompanhamos um pouco pois era uma oportunidade única de conhecermos a forma de comemorarem o Natal no Peru. A caravana foi passando pelas ruas e as pessoas abriam as janelas das casas (que são sempre bem altas) e jogavam doces e brinquedos simples para as crianças que acompanhavam a caravana.
   Depois de registrarmos aquele costume tão bacana em fotos e vídeos retornamos à pousada e jogamos ludo até a Mel cansar de perder.



















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