2 de dez. de 2014

DIA 32 – CALAMA, CHILE

O dia 2 de Dezembro foi certamente o dia mais tenso da viagem. Quase tudo que podia dar de errado, deu. Mas também tivemos muitos momentos de sorte, como sempre. Saímos de Antofagasta cedo, após tirarmos algumas fotos no recife com a maré baixa. Tracei rota até Iquique tanto no GPS quanto mentalmente usando o mapa físico. Na hora de sair da cidade de Antofagasta o GPS me mandou seguir adiante pela avenida costeira atravessando toda a cidade até uma rota litorânea que levaria até Iquique. Ignorando as direções do GPS resolvi fazer outro caminho, saindo da cidade por onde entramos e continuando a rota Pan-americana para depois pegar outra estrada que leva a Iquique. Seria um caminho um pouco mais longo, porém me parecia mais seguro já que outros viajantes haviam me dito que a rota costeira era bem complicada e com muitas rajadas de vento lateral. Num certo ponto da rota haveria uma intersecção que eu deveria me atentar para não sair da ruta 5 pois o outro caminho levaria a uma direção fora de nossa rota, até Calama. Não sei exatamente o que aconteceu mas eu não vi a intesecção e tomamos este caminho errado. E só me dei conta disso longe o suficiente para não querer voltar. Haveria uma segunda intersecção afrente que nos levaria de volta a nossa rota original. Pois eu também a perdi e seguimos pelo caminho errado. O GPS já não estava ajudando pois traçava rotas que iriam tornar a situação ainda pior. Resolvi continuarmos e pousarmos em Calama para no dia seguinte voltarmos ao caminho correto e seguir até Arica.
Neste ponto eu já estava tenso e bravo comigo mesmo por ter errado o caminho duas vezes. Minha outra preocupação era o combustível. O GPS indicava um posto de gasolina que não existia. Não havia garantia que o próximo posto indicado estava lá, especialmente estando literalmente no meio do nada. Num certo ponto avistei o tal posto e paramos lá para abastecer e comer algo. Comprei uma garrafa de suco que era tão rígida que resolvi depois usa-la como reservatório de combustível. Seria 1 litro e meio a mais. Enquanto estávamos no posto sentados tomando suco apareceram três motos de viajantes brasileiros. Conversamos, tiramos fotos e cada um tomou seu rumo.
Cerca de vinte quilômetros depois do posto parei para tirar o intercomunicador e ligar o iPod para ouvir um pouco de música, caso contrário iria adormecer. Pilotar numa reta sem fim com deserto de um lado, deserto de outro, não é tarefa fácil. A monotonia traz sono até para os mais resistentes. A música sempre me ajudou a ficar acordado, pois eu podia até cantar alto junto à musica e nenhum ser vivo iria me ouvir desafinando.
Cinco minutos depois avistei de longe um pedaço enorme de lona preta que provavelmente caiu de algum caminhão. Era a única coisa além de areia e céu em nossa vista. Fixei os olhos com receio do pior, apesar do plástico estar fora da pista e não haver vento no momento. E o pior aconteceu: um pé de vento arrastou o plástico exatamente em nossa direção como se a moto tivesse o raio de tração da Enterprise. Não consegui desviar a tempo muito menos frear. A lona se prendeu debaixo da moto nos fazendo girar 180 graus e nos inclinar lentamente até cairmos e sermos arrastados por alguns metros. O bom Deus fez isto acontecer quando estávamos em baixa velocidade, cerca de 80 kms\h, pois se estivéssemos mais rápidos poderia ter sido muito pior. No momento da queda pensei na segurança da Mel em primeiro lugar e depois da moto. Acho que todo motociclista passar por isso, a segurança própria vem quase sempre em segundo ou terceiro lugar. Alguns carros que passavam já pararam e vieram nos ajudar. Ajudaram a Mel a se levantar e depois a mim. A moto vazava muito combustível. A levantamos rapidamente levando para fora da pista para só então averiguar os estragos. A Mel teve um ralado leve na perna e a jaqueta rasgada. Eu ganhei um belo ralado no braço esquerdo e na perna esquerda (já tinha um no joelho direito da primeira queda na Argentina). A jaqueta fez um tremendo estrago, a blusa que estava por dentro dela também e a calça ganhou alguns rasgos também. Nossas cabeças não chegaram a tocar o solo por isso não houve dano nenhum nos capacetes. Como a moto havia caído em cima de mim tive um queimado na canela esquerda que não deixou marca. Minha polchete rasgou. A bolsa da Mel também. A moto quebrou o pisca dianteiro direito. A lâmpada desapareceu e a tampa laranja voou pra longe. O fio de energia do GPS parou de funcionar, como se não viesse mais energia da bateria da moto e quando tentei ligar a moto também não houve resposta. Algo havia acontecido com a bateria. Tirei a tampa e visualmente não achei nada de errado, mas sendo eu leigo no assunto não poderia dizer bem o que havia acontecido. Passado o susto, organizamos mais uma vez a moto, guardei a tampa da seta na polchete e comecei a empurrar a moto descida abaixo para pegar no tranco. Algumas tentativas depois ela ligou. Fui mantendo ativa até ambos subirmos para só então seguirmos viagem até Calama. Teríamos que averiguar o que estava acontecendo com a moto lá.
Nossa experiência atravessando o deserto do Atacama não foi exatamente das melhores. Por toda a extensão do deserto haviam cruzes e flores indicando alguém que havia morrido lá. Não as contabilizamos mas em cinco dias foram tranquilamente mais de mil. A energia de lá não me pareceu boa e ambos não nos sentíamos bem-vindos. Independente da crença de quem esteja lendo o blog acho que pode compreender o que digo. Foi como aquele dia na pousada abandonada, você pode sentir uma força maior não te querendo lá. Todo santo dia quando botamos a moto na estrada fazíamos uma oração pedindo proteção no dia e agradecendo pela recebida no dia anterior. Depois do acidente fizemos mais uma vez uma oração e continuamos, ainda um pouco assustados. O plano era pararmos em um hospital em Calama para averiguar os ferimentos, mesmo leves. Porém quando chegamos à cidade nos esquecemos completamente disso tendo em vista que tínhamos que resolver a pane da bateria da moto. Calama era mais uma cidade grande e caótica do Chile, que como todas as outras iguais nos fazem querer sair logo de lá. Não demorou até encontrarmos em uma esquina uma loja e oficina de motos. Parei com a Suki em frente à oficina e após contar o ocorrido para um senhor ele já mandou outro rapaz ir olhar a moto. Vinte minutos depois e tendo desmontado todo o banco e bateria o rapaz mexeu bastante na parte elétrica até conseguir faze-la funcionar. Quando perguntei o que havia ocorrido ele falou tão rápido que não entendi uma palavra sequer. Voltamos a colocar todas as coisas de volta a moto e na hora de pagar a conta a facada não foi de leve.  Duzentos reais pelo conserto, a troca de alguns fios, a lâmpada da seta e a troca de óleo. Nem preciso dizer que o preço foi “especial” para estrangeiros e mesmo com muita persuasão não teve choro nem vela.
 Sempre preferimos cidades pequenas pela segurança e pelo preço inferior. O GPS indicava que a apenas 15 quilômetros de Calama havia uma cidadezinha. Resolvemos ir até lá apenas para descobrir que a cidade já não existia mais e havia se tornado uma propriedade particular de uma mineradora. Eu não estava disposto a voltar para Calama portanto resolvemos ir até o posto de gasolina ali ao lado, na beira da estrada e pedir se podíamos armar nossa barraca na área atrás do posto para passarmos a noite. Aceitaram e assim o fizemos. Só tivemos que lidar com o fato de não nos permitirem usar o banheiro (o que gerou uma breve discussão pela manhã). Preparamos miojos na espiriteira e dormimos com muito frio.


RODADOS NO DIA: 218 KMS
TOTAL RODADOS:  6241 KMS

















2 comentários:

  1. Eu já havia lido algo sobre essa cidade, Humberstone, uma cidade fantasma, rs, que não é ocupada desde mais ou menos a década de 60, rs... Era uma fábrica de Nitrato, e as famílias dos trabalhadores moravam lá, desde a morte da última família, ninguém mais mora.
    Fiquei muito interessado em ir, rs...

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  2. A cidade que visitaram perto de Calama é Chuquicamata, ela fica ao lado da maior mina de cobre a céu aberto do mundo. Com a escavação, a terra da minha foi sendo jogada sobre a cidade, que foi desativada e todo mundo mudou para Calama.

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