O dia 2 de Dezembro foi certamente o dia mais tenso da viagem. Quase
tudo que podia dar de errado, deu. Mas também tivemos muitos momentos de sorte,
como sempre. Saímos de Antofagasta cedo, após tirarmos algumas fotos no recife
com a maré baixa. Tracei rota até Iquique tanto no GPS quanto mentalmente
usando o mapa físico. Na hora de sair da cidade de Antofagasta o GPS me mandou
seguir adiante pela avenida costeira atravessando toda a cidade até uma rota
litorânea que levaria até Iquique. Ignorando as direções do GPS resolvi fazer
outro caminho, saindo da cidade por onde entramos e continuando a rota
Pan-americana para depois pegar outra estrada que leva a Iquique. Seria um
caminho um pouco mais longo, porém me parecia mais seguro já que outros
viajantes haviam me dito que a rota costeira era bem complicada e com muitas
rajadas de vento lateral. Num certo ponto da rota haveria uma intersecção que
eu deveria me atentar para não sair da ruta 5 pois o outro caminho levaria a
uma direção fora de nossa rota, até Calama. Não sei exatamente o que aconteceu
mas eu não vi a intesecção e tomamos este caminho errado. E só me dei conta
disso longe o suficiente para não querer voltar. Haveria uma segunda
intersecção afrente que nos levaria de volta a nossa rota original. Pois eu
também a perdi e seguimos pelo caminho errado. O GPS já não estava ajudando
pois traçava rotas que iriam tornar a situação ainda pior. Resolvi continuarmos
e pousarmos em Calama para no dia seguinte voltarmos ao caminho correto e
seguir até Arica.
Neste ponto eu já estava tenso e bravo comigo mesmo por ter errado o
caminho duas vezes. Minha outra preocupação era o combustível. O GPS indicava
um posto de gasolina que não existia. Não havia garantia que o próximo posto
indicado estava lá, especialmente estando literalmente no meio do nada. Num
certo ponto avistei o tal posto e paramos lá para abastecer e comer algo.
Comprei uma garrafa de suco que era tão rígida que resolvi depois usa-la como
reservatório de combustível. Seria 1 litro e meio a mais. Enquanto estávamos no
posto sentados tomando suco apareceram três motos de viajantes brasileiros.
Conversamos, tiramos fotos e cada um tomou seu rumo.
Cerca de vinte quilômetros depois do posto parei para tirar o
intercomunicador e ligar o iPod para ouvir um pouco de música, caso contrário
iria adormecer. Pilotar numa reta sem fim com deserto de um lado, deserto de
outro, não é tarefa fácil. A monotonia traz sono até para os mais resistentes.
A música sempre me ajudou a ficar acordado, pois eu podia até cantar alto junto
à musica e nenhum ser vivo iria me ouvir desafinando.
Cinco minutos depois avistei de longe um pedaço enorme de lona preta que
provavelmente caiu de algum caminhão. Era a única coisa além de areia e céu em
nossa vista. Fixei os olhos com receio do pior, apesar do plástico estar fora
da pista e não haver vento no momento. E o pior aconteceu: um pé de vento
arrastou o plástico exatamente em nossa direção como se a moto tivesse o raio
de tração da Enterprise. Não consegui desviar a tempo muito menos frear. A lona
se prendeu debaixo da moto nos fazendo girar 180 graus e nos inclinar
lentamente até cairmos e sermos arrastados por alguns metros. O bom Deus fez
isto acontecer quando estávamos em baixa velocidade, cerca de 80 kms\h, pois se
estivéssemos mais rápidos poderia ter sido muito pior. No momento da queda
pensei na segurança da Mel em primeiro lugar e depois da moto. Acho que todo
motociclista passar por isso, a segurança própria vem quase sempre em segundo
ou terceiro lugar. Alguns carros que passavam já pararam e vieram nos ajudar.
Ajudaram a Mel a se levantar e depois a mim. A moto vazava muito combustível. A
levantamos rapidamente levando para fora da pista para só então averiguar os
estragos. A Mel teve um ralado leve na perna e a jaqueta rasgada. Eu ganhei um
belo ralado no braço esquerdo e na perna esquerda (já tinha um no joelho
direito da primeira queda na Argentina). A jaqueta fez um tremendo estrago, a
blusa que estava por dentro dela também e a calça ganhou alguns rasgos também. Nossas
cabeças não chegaram a tocar o solo por isso não houve dano nenhum nos
capacetes. Como a moto havia caído em cima de mim tive um queimado na canela
esquerda que não deixou marca. Minha polchete rasgou. A bolsa da Mel também. A
moto quebrou o pisca dianteiro direito. A lâmpada desapareceu e a tampa laranja
voou pra longe. O fio de energia do GPS parou de funcionar, como se não viesse
mais energia da bateria da moto e quando tentei ligar a moto também não houve
resposta. Algo havia acontecido com a bateria. Tirei a tampa e visualmente não
achei nada de errado, mas sendo eu leigo no assunto não poderia dizer bem o que
havia acontecido. Passado o susto, organizamos mais uma vez a moto, guardei a
tampa da seta na polchete e comecei a empurrar a moto descida abaixo para pegar
no tranco. Algumas tentativas depois ela ligou. Fui mantendo ativa até ambos
subirmos para só então seguirmos viagem até Calama. Teríamos que averiguar o
que estava acontecendo com a moto lá.
Nossa experiência atravessando o deserto do Atacama não foi exatamente
das melhores. Por toda a extensão do deserto haviam cruzes e flores indicando
alguém que havia morrido lá. Não as contabilizamos mas em cinco dias foram
tranquilamente mais de mil. A energia de lá não me pareceu boa e ambos não nos
sentíamos bem-vindos. Independente da crença de quem esteja lendo o blog acho
que pode compreender o que digo. Foi como aquele dia na pousada abandonada,
você pode sentir uma força maior não te querendo lá. Todo santo dia quando
botamos a moto na estrada fazíamos uma oração pedindo proteção no dia e
agradecendo pela recebida no dia anterior. Depois do acidente fizemos mais uma
vez uma oração e continuamos, ainda um pouco assustados. O plano era pararmos
em um hospital em Calama para averiguar os ferimentos, mesmo leves. Porém
quando chegamos à cidade nos esquecemos completamente disso tendo em vista que
tínhamos que resolver a pane da bateria da moto. Calama era mais uma cidade
grande e caótica do Chile, que como todas as outras iguais nos fazem querer
sair logo de lá. Não demorou até encontrarmos em uma esquina uma loja e oficina
de motos. Parei com a Suki em frente à oficina e após contar o ocorrido para um
senhor ele já mandou outro rapaz ir olhar a moto. Vinte minutos depois e tendo
desmontado todo o banco e bateria o rapaz mexeu bastante na parte elétrica até
conseguir faze-la funcionar. Quando perguntei o que havia ocorrido ele falou
tão rápido que não entendi uma palavra sequer. Voltamos a colocar todas as
coisas de volta a moto e na hora de pagar a conta a facada não foi de leve. Duzentos reais pelo conserto, a troca de
alguns fios, a lâmpada da seta e a troca de óleo. Nem preciso dizer que o preço
foi “especial” para estrangeiros e mesmo com muita persuasão não teve choro nem
vela.
Sempre preferimos cidades
pequenas pela segurança e pelo preço inferior. O GPS indicava que a apenas 15 quilômetros
de Calama havia uma cidadezinha. Resolvemos ir até lá apenas para descobrir que
a cidade já não existia mais e havia se tornado uma propriedade particular de
uma mineradora. Eu não estava disposto a voltar para Calama portanto resolvemos
ir até o posto de gasolina ali ao lado, na beira da estrada e pedir se podíamos
armar nossa barraca na área atrás do posto para passarmos a noite. Aceitaram e
assim o fizemos. Só tivemos que lidar com o fato de não nos permitirem usar o
banheiro (o que gerou uma breve discussão pela manhã). Preparamos miojos na
espiriteira e dormimos com muito frio.
RODADOS NO DIA: 218 KMS
TOTAL RODADOS: 6241 KMS
TOTAL RODADOS: 6241 KMS
Eu já havia lido algo sobre essa cidade, Humberstone, uma cidade fantasma, rs, que não é ocupada desde mais ou menos a década de 60, rs... Era uma fábrica de Nitrato, e as famílias dos trabalhadores moravam lá, desde a morte da última família, ninguém mais mora.
ResponderExcluirFiquei muito interessado em ir, rs...
A cidade que visitaram perto de Calama é Chuquicamata, ela fica ao lado da maior mina de cobre a céu aberto do mundo. Com a escavação, a terra da minha foi sendo jogada sobre a cidade, que foi desativada e todo mundo mudou para Calama.
ResponderExcluir